2 de out. de 2012

No meio das pedras tinha um caminho?

Deixo Sísifo no sopé da montanha! Encontramos sempre o nosso fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também julga que tudo está bem. Esse universo enfim sem dono não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra cada estilhaço mineral dessa montanha cheia de noite, forma por si só um mundo. A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar Sísifo feliz. (Albert Camus: 1913-1960)


É senso comum que a educação no Brasil passa por uma crise de qualidade. Entre os fatores apontados frequentemente como responsáveis pela situação atual estão:
  1. Um sistema de gestão de ensino excessivamente burocratizado e incapaz de dar conta das demandas e desafios contemporâneos;
  2. Condições de infraestrutura precárias em boa parte das escolas do território nacional, com exceção de algumas poucas ilhas de excelência;
  3. Uma visão de ensino que enfatiza conteúdos curriculares padronizados dentro de uma lógica própria da Sociedade Industrial e, que no momento atual, encontram-se defasados e dissociados da realidade do estudante já vivendo os desafios da Sociedade em Rede (quer goste da ideia ou não);
  4. Sistemas de avaliação a partir de métricas e provas que na maioria das vezes refletem apenas a capacidade do aluno para memorizar e reproduzir o que lhe é dado em detrimento da avaliação efetiva de seus potenciais de desenvolvimento e competências adquiridas para a vida;
  5. Deficiências na formação, capacitação e atualização de professores aliadas a condições de trabalho precárias, dadas tanto pela baixa remuneração como pelos próprios processos de organização e monitoramento das atividades docentes nas organizações de ensino existentes;
  6. E a lista continua, passando por condições sociais, econômicas e culturais das famílias, às quais se atribui uma não participação efetiva na educação dos filhos. Um pouco mais além, a lista de responsáveis chega até à sociedade que se mostra distanciada dos ideais de meritocracia e conhecimento como elementos constituintes de seu sistema de valores.
  7. Para complicar só mais um pouco, tudo isso acontece em um cenário de instabilidades próprias das transformações aceleradas e com grandes mudanças nos padrões de consumo, produção e difusão de produtos, serviços e conhecimentos, frutos dos impactos das novas tecnologias de comunicação e informação. Trata-se de um profundo reordenamento das relações sociais, redefinindo os campos de exclusão/inclusão e que não espera pelos retardatários. É possível continuar colecionando pedras no caminho por anos a fio, num jogo infinito de culpas e des(-)culpas. É possível encontrar caminhos entre as pedras, aprender a escalar ou contorná-las, ou ainda, derrubar muros e construir castelos como sugerem alguns poetas. Ou ainda como Sísifo (*), que condenado a rolar pedras pela eternidade, diante do absurdo de sua existência, encontra em cada grão dessa pedra, em cada estilhaço, um mundo.
É a partir desta perspectiva que eu gostaria de continuar refletindo sobre a condição e os desafios do professor, personagem central e verdadeira pedra angular do assim chamado sistema educacional. Ao mesmo tempo ele é entendido como orquestrador das relações entre os atores sociais dos processos de ensino-aprendizagem, (alunos, organização e sistema de ensino, pais e sociedade) e é tratado como mera engrenagem de uma imensa máquina de ensinar, que o transforma em transmissor de saberes e pseudo saberes oficiais.

Camus (novamente ele) nos lembra “que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.”

Reduzido a engrenagem o professor perde sua capacidade de sonhar, pensar, pesquisar, descobrir, inventar e criar. E, por estranha transmutação, passa a se esforçar para que seus alunos adquiram a mesma competência – obedecer para sobreviver! Este tem sido o modelo dominante nascido das concepções da revolução industrial aplicadas ao campo da educação: fazer muito, de modo padronizado, com eficiência cada vez maior e uso de recursos cada vez menores (tempo e dinheiro), maximizando resultados a qualquer preço. As novas tecnologias (outra vez as TICs) trouxeram embutidas outros padrões de relações dando origem à Sociedade em Rede. O que era funcional e desejável no modelo anterior (industrial) mostra-se agora absolutamente disfuncional. No lugar de temor ao risco, amor ao erro; em vez da padronização, valorização da diversidade; avaliação perde espaço para monitoramento e ajustes; em vez de competição, colaboração; ideais a respeito do domínio do homem sobre a natureza dão lugar aos conceitos de ecossistemas e sustentabilidade, o saber estabelecido é substituído por novos conhecimentos em velocidades cada vez maiores.


Frente a desafios cada vez maiores e mais intensos encontra-se em xeque o papel do professor, submetido a duas fortes pressões: por um lado a dos sistemas educacionais que insistem em permanecer como sempre foram e por outro lado, as pressões economico-sociais por mudanças urgentes.
Não se trata apenas de questões sobre atualização técnica e aquisição de novas competências pedagógicas, tecnológicas e comunicacionais. Fosse assim e estaria resolvido o problema com meia dúzia de seminários, treinamentos e tutoriais sobre “como fazer”, bem aos moldes dos gurus da educação com inspiração no modelo industrial.


Os novos tempos valorizam a inovação acima de tudo, exigem a re-invenção da arte de ensinar e aprender. E arte é acima de tudo um processo que não se subordina à lógica dos resultados em tempo e intensidades pré-determinados. Ensinar tem ciência, mas tem muito de arte também. Reconhecer a importância e encontrar os caminhos da articulação criativa entre estes dois universos distintos é o primeiro desafio.
Ninguém ensina a nadar se não souber nadar. Ninguém aprende a nadar lendo nos livros, é preciso vencer o medo da água e praticar. Um bom treinador é sempre um amante da arte. Da mesma forma, a lógica do mundo conectado não se revela para quem não ousar experimentar e surfar nele para valer! A preparação dos professores para a escola que atenda efetivamente as necessidades das futuras gerações passa por criar espaços formais de experimentação, reflexão, diálogo e colaboração, entendidos como parte integrante do trabalho docente e não apenas como atividade esporádica a ser realizada aos fins de semana e nas horas extra-classe. O mergulho nas novas tecnologias não representa mero modismo passageiro. A apropriação pelo professor das ferramentas informacionais é condição essencial para compreensão do mundo em que os seus alunos já vivem e no qual inventarão ainda muito mais.


InovarEduca – mas para ensinar a inovar é preciso antes de tudo viver a inovação. Lamentar menos, esperar menos e existir mais como recomenda Luc Ferry. As pedras são os desafios, os caminhos são o que fazemos com elas.


Sobre a autora: Daisy Grisolia – web ativista com larga experiência na criação, desenvolvimento, implantação e monitoramento de projetos sócio educacionais envolvendo organizações públicas, privadas e do terceiro setor. Responsável pela articulação da rede InovarEduca (http://inovareduca.com/ ) em parceria com o Fórum de Inovação da Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Fundação Nacional da Qualidade (FNQ); Facebook: daisy.grisolia ; Twitter: @DaisyGrisolia

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