Débora Sebriam
Muitos ainda não ouviram falar, o
nome pode parecer estranho para alguns, outros fazem algumas conexões, mas aos
poucos, um número cada vez maior de pessoas e em especial os docentes das
universidades e da educação básica, tomam conhecimento dos Recursos
Educacionais Abertos.
O termo Recursos Educacionais
Abertos (REA) foi estabelecido pela Unesco em 2002. A definição de REA, desde
então, tem sido amplamente discutida e aprimorada por uma comunidade internacional
que discute e cada vez mais cria projetos interessantes. Segundo a
Unesco/Commonwealth of Learning (2011), “recursos educacionais abertos são
materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que
estão sob domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo
que sejam utilizados ou adaptados por terceiros. O uso de formatos técnicos
abertos facilita o acesso e o reuso potencial dos recursos publicados
digitalmente. Recursos Educacionais Abertos podem incluir cursos completos,
partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos,
testes, software, e qualquer outra ferramenta, material ou técnica que possa
apoiar o acesso ao conhecimento.”
Os REA possuem três elementos
principais: conteúdos de aprendizado, ferramentas técnicas e recursos para
implementação:
·
Conteúdo
de aprendizado: são os conteúdos em si, como cursos completos, materiais de
cursos, tópicos de um conteúdo, metodologias de ensino e aprendizado,
exercícios, temas de aprendizagem, coleções, periódicos, etc.
·
Ferramentas:
softwares para auxiliar a criação, entrega, uso e melhoria do conteúdo de
aprendizagem aberto, incluindo busca e organização do conteúdo, sistemas de
gerenciamento de conteúdo e de aprendizagem, ferramentas de desenvolvimento de
conteúdo, e comunidades de aprendizado online.
·
Recursos
para implementação: são as licenças de propriedade intelectual para
promover a publicação aberta de materiais e das ferramentas, estabelecer
princípios e localização de conteúdo, como indexação, arquivamento etc.
Para entender como um REA difere
de um material disponibilizado na internet “gratuitamente” ou não, note que, os
REA oferecem algumas liberdades aos usuários e essas liberdades podem ser
definidas pelo autor, sem a necessidade de intermediários, e esse é um grande
diferencial. As quatro liberdades mínimas dos REA, conhecida como os “4Rs”
(review, reuse, remix e redistribute), são as permissões concedidas aos
usuários que acessam esses recursos. São elas:
•
Usar:
compreende a liberdade de usar o original, ou a nova versão por você criada com
base num outro REA, em uma variedade de contextos;
•
Aprimorar:
compreende a liberdade de adaptar e melhorar os REA para que melhor se adequem
às suas necessidades;
•
Recombinar: compreende
a liberdade de combinar e fazer misturas de REA com outros REA para a produção
de novos materiais;
•
Distribuir:
compreende a liberdade de fazer cópias e compartilhar o REA original e a versão
por você criada com outros.
Essas permissões são dadas aos
potenciais usuários, quando o autor da obra especifica uma licença flexível
para o material. Essa licença pode ser especificada em um termo de uso, ou
alguma outra conhecida, como as do Creative Commons, que
oferecem 6 tipos de licenças e são reconhecidas mundialmente.
As possibilidades são inúmeras se
partirmos da compreensão de REA como bens educacionais essenciais ao usufruto
do direito de acesso a educação e a cultura. Recursos Educacionais Abertos
podem facilitar o acesso ao conhecimento às pessoas que estão nas escolas e
universidades e as que estão fora delas; incentivar práticas de colaboração,
participação ativa da comunidade e compartilhamento; é uma forma de ter melhor
aproveitados os investimentos públicos investidos em material didático;
garantem liberdade, inovação metodológica e criatividade de produção; é uma
maneira de valorizar e reconhecer o professor como autor.
As discussões sobre o tema estão
florescendo no Brasil e as iniciativas tem se multiplicado. O cenário atual é
muito positivo e distinto de 2008, quando o Projeto REA foi fundado no Brasil.
É um dos primeiros projetos no Brasil que tenta aproximar a realidade e às
perspectivas brasileiras a discussão internacional acerca de REA e da Educação
Aberta. Desde então, uma comunidade ativa e crescente, que hoje conta com mais de 600 pessoas voluntárias ajudam a
consolidar a discussão sobre REA no Brasil através de uma lista de emails, um
grupo no Facebook, através do Twitter e em eventos presenciais que se tornaram
cada vez mais frequentes em 2011-2012. A comunidade REA Brasil é formada por
professores da educação básica e universitários, estudantes de graduação,
profissionais de TICs, participantes de movimentos sociais que trabalham com
educação fora da escola, advogados, analistas de sistemas, engenheiros,
profissionais da da área da saúde.
Entre algumas iniciativas
brasileiras, podemos citar o Projeto Folhas, uma política educacional do
governo do Estado do Paraná entre 2003-2010. Nesse projeto, o professor se
candidatava para participar e ao ser selecionado, recebia licença remunerada e
ponto na carreira para pesquisar sobre REA com apoio de especialistas. No final
do processo, publicava o estudo em livro que também ficava disponível online e
chegava à escola com o nome do professor na capa. A Educopédia, promovida pela
Secretaria Municipal de Educação do Rio, é uma plataforma online colaborativa
de aulas digitais, que podem ser adaptadas, compartilhadas e remixadas. O
recém-lançado Scielo Books, onde as editoras universitárias disponibilizam
livros acadêmicos em diferentes formatos e com licenças abertas. Organizações
não-governamentais como o Instituto Paulo Freire e o CENPEC também tem os seus
projetos de disponibilização de material em REA. Colégios particulares do
município de São Paulo, como o Porto Seguro, Dante Alighieri e o Centro
Educacional Pioneiro que criou um projeto piloto e começa a dar seus primeiros
passos, também participam desse movimento.
Entre as iniciativas públicas, temos
o Portal do Professor do MEC, um portal destinado aos professores da rede
pública, contém não apenas recursos educacionais, mas também notícias sobre
educação, links de apoio e ferramenta de criação de aulas online. A ideia é
ótima, entretanto, muito material depositado no portal está regido pelas leis
do copyright. O repositório acaba se tornando confuso, pois cada objeto
educacional depositado tem sua própria norma em relação a direitos autorais.
Alguns adotam alguma licença do Creative Commons, mas outros apresentam nota
dizendo que todos os direitos estão reservados. O mesmo problema ocorre com o
portal Domínio Público, apesar do nome, nem todos os materiais disponíveis são
de fato de domínio público, o que pode gerar confusão e insegurança no usuário.
Existem outras inúmeras iniciativas que podem ser encontradas na seção REA no
Brasil e no Mundo no site REA.
A
grande missão do REA Brasil é prover informação e inovação em política pública
de educação. Uma das maneiras de garantir o acesso à educação, a materiais de
qualidade e permitir inovação metodológica é por meio de Políticas Públicas que
apoiem os REA e determinem que todo o investimento público na compra ou
desenvolvimento de recursos educacionais deve dar preferência a Recursos
Educacionais Abertos. Tais políticas também se justificam pelo fato de que o direito
constitucional à educação não apenas fundamenta a dignidade e a cidadania, mas
confere ao cidadão seu potencial humano. Para tanto, atuamos apoiando o
trabalho de decisores políticos na construção de políticas públicas e
legislação que garantam o acesso aos recursos educacionais resultantes do
investimento público direto e indireto.
Nesse sentido, alguns avanços
significativos tem ocorrido desde 2011. Tivemos a aprovação de um decreto
municipal na cidade de São Paulo, que adotou políticas de REA. Desde 2011, todo
material didático produzido pela Secretaria Municipal de Educação é registrado
sob licenças flexíveis e está disponível online. Prefeituras menores, sem verba
para produzir material do zero, têm usado o material, incentivando seus
professores a alterar a produção e adaptá-la para a realidade local.
O Projeto de Lei Estadual de São
Paulo 989/2011, já foi aprovado em 3 comissões e a conversa com a Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo está se estreitando e começando a gerar frutos.
Existe também o Projeto de Lei Federal 1513/2011, que foi aprovado na Comissão
de Educação e atualmente diversos representantes da sociedade civil,
universidades, legislativo começaram a se reunir para escrever um PL
substitutivo. E por último, REA foi contemplado no Plano Nacional de Educação
nas metas 5 e 7.
O conceito REA é novo não só no
Brasil e ainda há muito por fazer. Há necessidade de um grande trabalho para
que a cultura colaborativa e de compartilhamento por meio da internet e dos REA
seja vista como algo positivo. Muitas vezes, projetos têm como objetivo gerar
recursos livres e práticas colaborativas, como é o caso do Portal do Professor
do MEC, mas acabam falhando na adoção de políticas claras de como os usuários
podem, de fato, utilizar e apropriar-se de tais materiais. Existe também a
questão de formação de professores em exercício e a inserção do tema nos cursos
de formação de professores. Ademais, no Brasil, as editoras possuem grande
poder econômico, político e de mídia, como vemos há alguns anos ao redor do
debate das cópias dos livros e da reforma de lei de direito autoral. Tais
atores econômicos ainda têm muito receio em relação à sustentabilidade de
práticas REA e como tais práticas vão afetar seu poder de mercado. Por isso,
nós do Projeto REA também tentamos estudar e gerar conhecimento sobre novos
modelos de negócio que podem gerar sustentabilidade para as editoras. Ainda estamos
caminhando para o aprofundamento desse debate.
A meu ver, no Brasil, as práticas
REA têm surgido de indivíduos que levam suas ideias para suas instituições, que
reconhecem REA como parte de sua função social de geração e publicação de
conhecimento e pesquisa. É um começo e um começo importante, uma vez que,
sabemos que políticas públicas só funcionam efetivamente quando tem o apoio da
sociedade.
Saiba mais sobre REA, projetos no
Brasil, projetos em outros países, políticas públicas em rea.net.br.
Faça parte da comunidade REA
Brasil! Traga suas práticas, dúvidas e apoio para o grupo:
Lista de emails: http://groups.google.com/group/rea-lista?pli=1
Twitter: https://twitter.com/reanetbr
Sobre a autora: Débora Sebriam,
Mestre em Engenharia de Mídias para a Educação – Universidade Técnica de Lisboa
– Portugal, Université de Poitiers – França e Universidad Nacional de Educación
a Distancia – Espanha. É coordenadora de projetos do Instituto Educadigital,
gestora de comunicação do Projeto REA Brasil, especialista em tecnologia
educacional no Centro Educacional Pioneiro. Atua principalmente com integração
de tecnologias ao currículo, tecnologias e formação de professores,
desenvolvimento de projetos, gestão de mídias sociais, Recursos Educacionais
Abertos, Uso Seguro das Telas Digitais. E-mail: deborasebriam@gmail.com / Redes Sociais: Facebook: facebook.com/deborasebriam /
Twiitter: @deborasebriam
Um comentário:
Oi, Débora!
Em primeiro lugar, parabéns pelo trabalho desenvolvido por ti e pela comunidade REA Brasil!
Estou, aos poucos, me aproximando do conceito de REA, gosto muito da ideia dos "Erres": usar, aprimorar, recombinar, distribuir.
Aliás, acho que é um pouco essas ideias que tento debater com minhas alunas, futuras professoras.
Tenho aprendido muito com vocês!
Obrigada!
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